Maio Laranja - aguçar a escuta para melhor proteger
- Exercito de Salvação
- há 10 minutos
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Reflexões para a prevenção da violência contra a criança e o adolescente.
Não é fácil, muito menos agradável, lidar com a violência, ainda mais quando ela é direcionada às crianças. A violência tem o poder de nos quebrar; com ela vem uma enorme carga de dor. Lidar com situações de violência é pensar em restauração, em reconexão com a vida como trânsito seguro.
Estima-se que a cada hora, oito crianças ou adolescentes sejam vítimas de violência sexual no Brasil. Esse tipo de violência pode ocorrer em qualquer ambiente ou classe social e, geralmente, é provocada por alguém em quem a criança confia. É impossível ignorar esse dado quando trabalhamos com esse público. Fechar os olhos para a violência é dar permissão para sua continuidade.

Conscientização e prevenção
O maior trunfo na prevenção contra a violência sexual contra crianças e adolescentes é a informação: muni-los de conhecimento sobre o próprio corpo e sobre sexualidade saudável, indo na contracorrente de qualquer tabu. Se a criança não entende o que está acontecendo com ela, ela não tem como se proteger. Conhecer o próprio corpo e compreender o que é íntimo e não deve ser tocado sem seu consentimento é essencial para que a criança aprenda a estabelecer limites.
O material Claves, utilizado com as crianças e adolescentes nas Unidades Sociais e alguns Corpos (igrejas) do Exército de Salvação, bem outros recursos educativos existentes, nos ajudam a tratar desses temas de forma lúdica e participativa, entrando na linguagem da criança para melhor alcançá-la. Dentro do nosso plano de trabalho, as ações de prevenção têm contribuído para que os usuários consigam identificar situações de perigo e assim ter estratégias para conseguir se manter seguros.

Juliana Germano tem 12 anos e frequenta nosso Projeto Integração na Nova Divinéia, no Rio de Janeiro, desde os seis anos. Ela explica como o Projeto tem sido importante em relação a esta área: “Tenho levado para minha vida as atividades do Claves. Aprendi sobre a proteção do meu corpo e a identificar situações de perigo”. A pequena Maitê, de seis anos, acrescenta: “Quando eu estou no projeto me sinto feliz e animada, minha atividade preferida é o Claves porque esta atividade me ensina sobre o meu corpinho”.
Aprender a ouvir
Outro aspecto fundamental no enfrentamento a essa realidade é acreditar no relato da criança. É comum a criança apresentar dúvidas e ter uma narrativa incoerente, com falhas, sobre a violência. Uma criança que sofre violência sexual coloca muita energia em esquecer o ocorrido, como mecanismo de sobrevivência. O medo da punição, o sentimento de culpa e o vínculo afetivo com o abusador tornam o relato ainda mais complexo. O abuso pode gerar confusão e fragmentação da memória, levando ao esquecimento ou à dificuldades de organizar a experiência em palavras.

Além disso, há, em muitos casos de abuso, um pacto de silêncio e lealdade feito com o agressor. Por isso, é essencial criar um ambiente seguro para que a criança se sinta acolhida e compreendida, sem pressão ou julgamentos, garantindo que sua voz seja ouvida e que medidas de proteção sejam tomadas com responsabilidade. Existem muitas formas de ajudar a criança a se expressar para além da fala: desenho, encenação, jogos.
A violência contra crianças pode e deve ser combatida. Cada vez que ensinamos uma criança sobre seu corpo e seus direitos, ela aprende a dar limites; cada vez que a escutamos com interesse e acreditamos no seu relato, damos um passo para quebrar o ciclo de violência. A infância deveria ser um território inviolável, um tempo de descobertas e sonhos, não de medo e dor.
18 de maio
A Campanha Maio Laranja visa fortalecer as atividades do 18 de maio. Nesse dia, o Exército de Salvação se une a centenas de outras organizações e a milhares de pessoas para conscientizar a sociedade e as autoridades sobre a gravidade da violência sexual e pra lutar contra o abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes.
No dia 18 de maio de 1973, Araceli Cabrera Sanches, de oito anos, foi raptada, estuprada e morta por jovens na cidade de Vitória, Espírito Santo. Esse ato bárbaro ficou conhecido como o “Caso Araceli”, que, até hoje, está impune. Sua morte ainda causa indignação e revolta.
Juliana Feres
Consultora do Exército de Salvação para o Enfrentamento
à Escravidão Moderna e Tráfico de Pessoas (EMTP)
(Artigo publicado na edição maio/junho da revista Rumo)
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